Razão da greve dos dias 10, 11 e 12 de Abril

Artigo de opinião de João Proença,
Médico neurologista e presidente da FNAM,
publicado na edição de 13 de Março de 2018
do Jornal Público
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Desde sempre, a FNAM tem participado em negociações, por vezes, com grande adesão e apoio dos médicos. Foram possíveis ganhos significativos, como foi o DL 73/90 da carreira médica. No anterior governo negociamos sempre e fizemos greves e concentração com milhares de médicos. Este ministério tem arrastado as reuniões durante dois anos para uma mão cheia de nada! Neste momento não há negociação digna desse nome.

Este ministério, ao mesmo tempo que paga 120 milhões a empresas de trabalho temporário, não abre concursos atempados, empurrando os médicos para fora do Serviço Nacional de Saúde: para a medicina privada, para as empresas de trabalho temporário e para o estrangeiro. As várias PPP que gerem quatro hospitais públicos fecham serviços, anulam consultas e cirurgias. Visam apenas a otimização do lucro. Nesses hospitais não há lugares de carreira. Infelizmente esta prática já atinge também algumas EPE. O ministério fecha hospitais e serviços para os entregar aos grupos privados.

Não há dinheiro para quem trabalha, mas há dinheiro para a indústria farmacêutica e para os bancos da alta finança. Os serviços não têm médicos, só assim se percebem os gastos na contratação através de empresas de prestação de serviços

A maioria das maternidades do país funcionam próximo da rotura assim como acontece na maioria dos serviços das áreas médica, anestesia e cirurgia. Todos os dias são adiadas cirurgias e consultas por falta de médicos.

Temos que dizer basta. Sempre que fecham serviços e hospitais abrem ao lado hospitais dos grupos privados. Isto não é uma agenda paralela?

Quem defende grelhas salariais condignas, tem de assumir que o trabalho médico necessita de boas condições e de melhores salários, que impeçam os vários empregos sem qualidade, ao serviço de empresas de prestação de serviços e fora das carreiras, sem concursos públicos. Salários que permitam uma ascensão por mérito e não por cunha.

Queremos o descongelamento e uma nova grelha salarial. Propomos, desde sempre, a limitação progressiva de setores. Entende-se por delimitação de setores público e convencionado: conflitos de interesses entre médicos que são donos de clínicas privadas e trabalham no setor convencionado ao mesmo tempo que são diretores de serviço e trabalham em serviços públicos. Entende-se também como delimitação de sectores o dinheiro público não financiar a actividade privada.

Queremos 2000 vagas para os quadros de Medicina Geral e Familiar, Hospitalar e Saúde Pública. De acordo com dados públicos, a verba que o Ministério da Saúde gasta com as empresas de trabalho temporário, 120 milhões anuais, permitiria manter durante anos médicos nos quadros do Serviço Nacional de Saúde e com a diferenciação exigida.

Queremos progressão na carreira através de concursos anuais — só assim é possível capacitar os serviços com quadros diferenciados capazes duma orientação de qualidade na formação específica dos médicos mais novos.

Queremos menos horas extraordinárias para ter mais tempo para a atividade organizada.

Queremos mais vagas para o Internato Médico de acesso às especialidades Já em 2018. Não podemos permitir médicos sem formação específica, indo contra todas as diretrizes da União Europeia.

Queremos terminar com os médicos indiferenciados, mão-de-obra barata para empresas de trabalho temporário.

Queremos mais médicos nos serviços públicos. Para isso precisamos de ordenados adequados à diferenciação de médico especialista, de melhores condições de trabalho, e de trabalho em equipa. Só existe trabalho em equipa com diferenciação técnica e com transparência nas funções.

Queremos serviços públicos de qualidade, com concursos atempados e transparentes.

Queremos que o recurso a horas extra seja apenas quando forem mesmo extraordinárias e não de modo regular. Tenhamos coragem de defender horários e ordenados condignos.

Se o Governo diz que as USF de tipo B poupam 110 milhões, porque não estender esse modelo para acabar com a falta de médicos de Medicina Geral e Familiar? Este modelo pode ter alguns erros, como o convite sem concurso, mas demonstrou ser uma mais-valia e os médicos recebem um salário mais elevado do que nas UCSP e trabalham em equipa.

Com as listas de utentes atuais e a sobrecarga de trabalho, este espartilho atual dos médicos divididos em UCSP e USF não é motivador. Ninguém aceita trabalhar tanto por tão pouco.

Os médicos no mesmo serviço, seja na urgência ou nas consultas, não podem continuar a ganhar valores diferentes. O salário deve ser igual para todos, de acordo com o grau da carreira.

Queremos contratos coletivos para evitar esta confusão que permite a nossa divisão, a desarticulação de serviços e a falta de dignidade no nosso trabalho. Contratos, tanto nas EPE, como nas PPP, na MGF ou em qualquer área da carreira médica.

Lutemos hoje, e já, por melhores condições de trabalho, novas grelhas salariais, descongelamento de escalões, concursos anuais de provimento e de habilitação, mudanças na participação dos médicos na gestão dos hospitais onde se tornaram escravos dos administradores, direito à formação específica, discussão dos numerus clausus.

Não tenhamos medo da polémica. Queremos novos ventos de mudança.

Médico neurologista; presidente da FNAM

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