Médico cansado

A Federação Nacional dos Médicos (FNAM) rejeita a proposta, do Ministério da Saúde, que implementa horários desumanos para os médicos em equipas dedicadas nos serviços de urgência, com jornadas diárias de 12 horas, sem limite de horas extraordinárias nem valorização salarial. Em resposta, nem uma hora a mais: os médicos deixarão de fazer horas extra depois das 150 horas anuais obrigatórias.

Parece que seguimos no sentido oposto do que seria suposto, em matéria de condições de trabalho, direitos laborais e de conciliação da vida profissional, pessoal e familiar dos médicos. O Governo apresenta uma verdadeira agenda do trabalho indigno e de desvalorização dos médicos, desvirtuando, mais uma vez, a negociação em curso com os sindicatos médicos.

A proposta de «ciclos de trabalho no serviço de urgência», apresentada pelo Secretário de Estado da Saúde, Ricardo Mestre, prevê que os médicos trabalhem por períodos diários de 12 horas, exclusivamente em serviço de urgência (externa e interna), nas unidades de cuidados intensivos e intermédios, por períodos consecutivos de 90 dias até 9 meses por ano. No total, os médicos trabalhariam 36 horas por semana, concentrando as jornadas de trabalho em três dias, numa verdadeira promoção do cansaço e do burnout.

Trata-se de uma proposta desumana, que prevê ainda que estas jornadas de trabalho tenham dois períodos de descanso de 30 minutos, no máximo. Além disso, não há limite para o trabalho suplementar ou noturno, nem garantia de que os descansos semanais possam também ocorrer ao fim de semana. No limite, um médico pode trabalhar todos os fins de semana durante 9 meses.

Neste documento em específico, o Ministério da Saúde não apresenta nenhuma compensação remuneratória, compensando-se apenas com um dia de férias por cada 90 dias que os médicos tiverem trabalhado no ano anterior integrados em equipas dedicadas. Simultaneamente, não existe qualquer avanço na valorização das grelhas salariais – para a FNAM, este é o ponto fundamental na negociação com a tutela.

É uma proposta que subverte a carreiras médicas, as equipas e as unidades de trabalho hospitalares, pois dispensa estes médicos de todas as tarefas e funções que não estejam integradas com o trabalho em serviço de urgência. Por isso, ficam em risco atividades clínicas essenciais, como as visitas médicas a doentes internados, consultas e cirurgias programadas – que em muitas situações já se encontram fora do limite de tempo de resposta adequado –, colocando em causa os cuidados de saúde aos doentes e o próprio funcionamento do Serviço Nacional de Saúde. Em causa também fica a formação no âmbito do internato médico, comprometendo a formação de novos médicos especialistas.

Para a FNAM, apenas é possível negociar seriamente havendo uma proposta de valorização de grelhas salariais. Os médicos estão exaustos e não é com medidas que comprometam a sua saúde que vamos reverter o caminho de destruição em curso do SNS. Pelo contrário, é com valorização salarial, com o reconhecimento da penosidade e risco do trabalho médico, e do trabalho nos serviços de urgência em particular, com jornadas de trabalho comportáveis, que podemos fixar médicos no SNS. As propostas da FNAM vão neste sentido.

As negociações estão em curso. A FNAM apresentou uma contraproposta e aguarda uma resposta do Ministério da Saúde. A FNAM não desiste de salários justos e condições de trabalho dignas para todos os médicos. A FNAM não desiste de lutar pelo SNS.

Caso o Ministro da Saúde, Manuel Pizarro, insista nesta proposta lesiva para médicos e doentes, deixará de contar com trabalho extraordinário além das obrigatórias 150 horas anuais – que parte considerável dos médicos já ultrapassou. Nem uma hora a mais.

Estetoscópio

Na reunião negocial de 31 de março, discutiu-se, finalmente, a necessidade de revisão das grelhas salariais e de um regime de dedicação exclusiva, apesar de não ter sido apresentada nenhuma proposta formal. A Federação Nacional dos Médicos (FNAM) está preparada para avançar com novas formas de luta caso as propostas não se materializem rapidamente, na próxima reunião negocial, a 24 de abril.

Corredor vazio

Os resultados do inquérito da Federação Nacional dos Médicos (FNAM) sobre as condições de trabalho e de segurança dos médicos no Serviço Nacional de Saúde (SNS) são alarmantes: há uma esmagadora falta de recursos humanos.

Fachada do Hospital São Francisco Xavier

O Sindicato dos Médicos da Zona Sul (SMZS) solidariza-se com os chefes de equipa do serviço de urgência do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (CHLO), que se demitiram no dia 13 de março, devido à falta de médicos, à sobrecarga horária e à passividade do Conselho de Administração.

Desde julho de 2022, estes médicos têm tentado, junto do Conselho de Administração, encontrar soluções para aliviar as insuficiências nas urgências do CHLO, em particular na Medicina Interna, mas a falta de resposta levou-os a apresentar esta carta e a sua demissão, em bloco, a partir de 15 de março.

Entre os problemas identificados, encontramos uma deficiente gestão e uma considerável falta de médicos, o que leva a uma sobrecarga de trabalho e de jornadas de trabalho, obrigando os médicos assistentes a assegurarem constantemente escalas no serviço de urgência, muitas vezes em regime extraordinário, levando ao desgaste e à exaustão.

Esta situação levará a que daqui a pouco tempo estes médicos atinjam o limite das 150 horas extraordinárias anuais, deixando de ser obrigados a cumprir trabalho extraordinário. Desta forma, o serviço de urgência do CHLO poderá não ter forma de garantir os critérios para a constituição de equipas de Medicina Interna, de acordo com o Regulamento n.º 1029-A/2022.

A carta deixa muito claro que não é possível garantir um serviço tendo como base um elevadíssimo número de horas de trabalho extraordinário e condena a atitude passiva do Conselho de Administração.

Para o SMZS, além das urgentes medidas estruturais – que passam pela valorização das grelhas salariais e melhoria das condições de trabalho –, é fundamental que o Conselho de Administração se disponibilize para ouvir os médicos e que tome medidas de forma a permitir a continuidade das urgências nestes hospitais.

© Sindicato dos Médicos da Zona Sul